Sinopse - Disritmia

Dante observa atentamente a paisagem ao alcance dos seus olhos. Do 27º andar do prédio, o dia é úmido e o calor intensifica seu contato com o ar. Nada mais faz sentido a partir do momento em que nada se sabe a seu respeito. A vida torna-se um mosaico cujos fragmentos não se encaixam.

Dias se passaram até aquele momento. Dias de pura incompreensão, dias de revelações que traziam a luz e em seguida a levava. Jaded fez parte desse processo. Uma namorada presente e uma desconhecida na relação.

Jacques era a companhia em irmandade. Quando Dante tenta alcançar o mundo ao seu redor, de repente, tudo se reduz à consequência de um ato. Sua força motriz é entender o que aconteceu.

Capítulos 13, 14 e 15

13

A quatro quadras de distância já avisto o enorme prédio revestido de granito. Os raios solares incidem sobre os vidros espelhados e o reflexo aumenta a imponência da construção.

Sigo por ruas vazias que, mais do que nunca, parecem retratar meu estado de espírito. Abro a grade preta que circula a entrada logo após atravessar a larga avenida.

O hall está vazio, ninguém tirou o dia para sentar em um dos sofás e ficar de conversa. As luzes encontram-se acesas por causa do dia escuro. Chego ao elevador e pelos vinte sete andares penso, por um instante, sobre o começo desse acontecimento que preciso entender. Enfio as chaves na fechadura, mas ela não gira, ao contrário da maçaneta, que depois de girada abre a porta, apenas encostada.

A bagunça toma conta de todo apartamento. Garrafas estão espalhadas por todo lado, o balcão do pequeno bar não existe diante de tanta sujeira.

Sigo pelo corredor em direção a um dos quartos. A porta do banheiro e do quarto de Jacques estão abertas, diferentemente do quarto ao qual eu me dirijo. Adentro a ele e, após abrir a porta, percebo a escuridão que não é plena o suficiente para esconder toda desordem. Nada aqui além de lençóis sujos, pó de incenso queimado e um pouco de maconha espalhada sobre o criado mudo. Abro a janela e sinto o vento entrar e se espalhar pelo apartamento. Olho para baixo e me lembro um pouco que depois de muita bebida eu estava sentado aqui, mas recordo-me de não ter passado muito bem logo que começou a chover. Nada específico para concretizar fatos. Fecho a janela e volto ao corredor. Nada parece anormal até que a porta da sala é aberta e subitamente desloco-me até a cozinha. Dois homens buscam incessantemente algo que os leva a revirar todo espaço. Ouço alguns nomes, nada para recordar, no entanto, anoto um a um. Penso em uma reação, nada que possa me comprometer. Nenhuma solução. Recuo até a área de serviço em direção à porta dos fundos. Busco as escadas até o andar inferior. Imagino que talvez a polícia poderia se interessar por tudo isso, mas seria arriscado demais colocá-la em meio a algo que eu mal compreendo e que me diz respeito.

O elevador para, a ansiedade é leve. Duas garotas logo á minha frente após a porta se abrir. Busco o celular, Natasha e Sofia não percebem que sou eu. Espero até que elas subam. Não há mais dúvidas, 27ª andar. Uma parada e descida imediata. Nenhuma porta forçada, os invasores têm as chaves.

14

O telefone toca pela segunda vez, mas eu não me disponho a atender.

Penso cada vez mais em Jacques e na possibilidade da sua morte ter sido algo extremamente premeditado. Talvez ele estava envolvido em algo mais do eu imaginava. Com certeza se eu não drenar o fluxo desse envolvimento as pessoas desse ciclo acabarão chegando até a mim e de mãos abanando pagarei no final.

Mais uma vez o telefone toca, eu me levanto do sofá. Milena pergunta porque demorei tanto para fazê-lo, não tenho outra explicação a não ser a de que estava no banho. Nunca imaginei que ela fosse ligar tão rápido e talvez depois de tudo que aconteceu mais cedo eu deveria ligar para ela, porém preciso de tempo, tempo para processar, tempo para distinguir entre o que pertence a determinados contextos e o que não deve ceder às zonas de interseção. Corrijo tudo a convidando para um local onde poderemos dividir objetivos comuns, o Mary´s Bar.

Não me sinto seguro ao andar pelas ruas com a quantidade de coisas que agora me atormentam. Assusto facilmente, olhos sempre alerta, mas qual a razão? Parece ser apenas uma questão de tempo para que tudo me atinja.

O metrô não está cheio mesmo após cruzar três grandes estações. Finalmente para na maior delas, exatamente onde desço. Logo na escadaria é possível avistar a placa luminosa, ressoando em meio a todas aquelas outras luzes e Milena acenando do outro lado da avenida.

Dessa vez optamos por mesa ao invés de balcão como em outra oportunidade. Pedimos duas tequilas e iniciamos a conversa em seguida. Um cigarro em seu boca desenha os sons de sua voz no ar que nos separa. Trabalho, caos hospitalar tornam essa fumaça mais densa. Posso imaginar o que é estar em uma jornada diária em um local destinado a receber pessoas em estado degradado. Hesito em falar sobre o que acontecido no apartamento de Jacques, porém sinto abafado, necessito de externar à alguém, compor os pontos, a discórdia é inevitável, luto, porém me vejo, agora, falando de coisas das quais só eu deveria saber. Sua reação me interessa, um termômetro talvez, ela se espanta. Acho que ainda não me situei da gravidade da situação. Acesso a impressão de que tudo é quase tão distante que aproxima-se de uma mentira, esse momento no entanto, diante de Milena, traz contornos reais.

A conversa se estendeu por horas, até a chegada do cansaço. Seguimos em direção ao seu prédio por ruas escuras e vazias.

Sinto um receio de sua parte nessa aproximação. Algo que como ela transpareceu desde o início escapou do seu controle, palavra que adora mencionar sempre. Eu me encarrego apenas de cumprir mais um papel que a vida oferece. Ouço breves tentativas de justificar a razão do telefonema tão rápido, ela não vai bem. O argumento da companhia é sempre a tônica, no entanto em contextos urbanos o que todos querem é distância dos outros. Agora, porém, dividimos uma situação que me diz respeito, um leve desabafar e me observo com alguém prestes a ser invadido. Apenas um beijo sela esse diálogo sem propósito.

Tudo parece confuso, mas terei um tempo para pensar em casa.

15

Dez horas da manhã. O rádio relógio desperta exatamente na hora programada. Uma máquina quase infalível que pelo papel que desempenha traria caos à ordem em caso de pane. O dia nublado retarda o ânimo para levantar, mas eu o faço.

Recordo que ontem com toda a confusão do enterro de Jacques e da invasão do seu apartamento, simplesmente não comi. Café, torradas e o casaco em seguida. O apartamento de Jacques ainda possui algumas respostas que não pude ter contato. Quem quer que sejam os acompanhantes das duas garotas, o que eles buscavam sei onde pode estar.

O taxi segue rapidamente em direção ao prédio. Há um bom tempo não tenho cabeça para fazer nada, especialmente trabalhar, e sem trabalho não existe sustento, e é por isso que preciso me desvencilhar o mais rápido possível de toda essa história.

O carro pára e eu observo mais uma vez as janelas até o 27º andar buscando entender como tudo isso começou. O motorista diz algo em tom alto, o pagamento. Desço e mais uma vez o elevador me conduz a uma tentativa de reconstituir tudo, mas a semelhança lembra apenas repetição. O elevador para, eu saio, entro no apartamento com a porta destrancada como antes, tudo rigorosamente igual. Internamente, no entanto, o caos impede reconhecer qualquer coisa. Os sofás rasgados, copos quebrados, o pequeno bar totalmente destruído. Sigo pelo corredor em direção ao quarto de Jacques que não está diferente do resto do apartamento. As gavetas do criado mudo estão no chão, o colchão foi totalmente rasgado. Poucas roupas ainda se encontram penduradas, mas o fundo falso do guarda-roupa não foi descoberto. Removo a tampa e vejo o cofre intacto. Digito o segredo. O que está aqui dentro pode ser um fim ou um meio, tento não me apegar ao que seria melhor, apenas que seja portanto.

Algumas folhas de papel, vários nomes referências e endereços, tudo abaixo das chaves do carro de Jacques. Um começo talvez, porém que aponta a tantas direções quanto nunca imaginei que pudesse.

Pego as chaves e recolho os papéis que se espalharam no chão. Cofre, fundo falso, todos os demais cantos por onde eu passei precisam ficar intocáveis. Tranco a porta, um breve indicativo de que algo mudou caso novamente resolvam vir aqui.

O carro está estacionado na vaga errada, talvez Jacques tenha feito isso para ninguém continuar a busca que fizeram no apartamento em seu carro. Uma arma no porta-luvas, tantas surpresas um tanto desinteressantes. Um pacote com dinheiro embaixo do banco, não me presto a contar.

A lista é extensa, precisa de atenção. Sigo ao endereço mais próximo. Talvez a única maneira de descobrir o que aconteceu e precisa terminar.